quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Dia de chuva (fictício)

A chuva cai lá fora. Lembro que não gostava muito disso, quando começava a chover era hora de parar de correr e se trancar em casa esperando passar. Mas hoje a chuva vem diferente, parece que está levando tudo embora de novo. Ela não cai mais, cair é ruim, cair dói. Ela desce escrevendo seu caminho no céu, como versos naquele enorme céu azul, e a cada centímetro traz tudo o que estava lá em cima, subindo, para que começe tudo de novo e nada se acabe em perfeição.

Ainda lembro que um dia quando o sol se ergueu tímido, por trás de nuvens e alguma neblina, resolvi que se a chuva viesse ia continuar correndo, não importava se ventasse demais, ninguém estivesse lá ou alguém me mandasse ficar em casa porque eu poderia pegar "um resfriado ou coisa pior" como dizem os antigos. Eu só queria continuar correndo, não muito rápido para não ficar cansado, ia correr devagar para ir mais longe - se ainda quisesse ir longe. Eu estava lá fora, seguindo um caminho imaginário na calçada da frente de casa, ao redor de uma árvore enorme, que eu adorava. Conversava com ela, pedia conselhos sobre se o caminho que eu estava trilhando era seguro, se não atrapalhava de vez em quando falando aquelas bobagens de alguém que tinha apenas onze anos. De vez em quando ela me dava algumas coisas, era uma árvore que fazia maçãs; eu nunca entendia como elas apareciam nos galhos lá em cima, mas eu gostava quando ela deixava uma ali no chão, gostava de ficar ali encostado nela enquanto me saciava com um de seus frutos vermelhos e suculentos.

Nesse dia o sol se escondeu e a chuva desceu, senti as primeiras gotas nas minhas mãos enquanto eu desenhava alguma coisa no chão, que não me lembro o que era, mas a chuva estragou e eu não gostei. Fiz de conta que nada havia acontecido, olhei ao redor e já me chamavam para dentro de casa. Eu não queria ir, queria mesmo era ver como era a chuva ao me expor a ela. Ainda não sei se por teimosia ou curiosidade, mas eu era demasiado jovem, e como hoje não entendo a vida, naquele tempo não entendia a chuva. Queria deixar ela me molhar, para saber se era bom ou ruim, correr e não me distrair com nada. Eu continuei ali, primeiramente andando sem pressa e com aquele frio na barriga causado por aquela sensação de não estar fazendo algo certo; depois correndo em baixo de toda aquela chuva que crescia rápido. pensava se não seria melhor ter ficado em casa, poderia abraçar minha mãe e ela me protegeria daquele barulho alto dos trovões. Mas não, fui longe, apesar do temor, andei para mais longe de casa e estava sozinho. Nunca antes havia me sentido sozinho, não me deixavam, e agora eu sei o porquê. Estava com medo, todo encharcado e começando a sentir um frio desagradável. Mas não estava triste ou apavorado, estava correndo, e poucas coisas eram melhores que isso! Correndo enquanto a chuva caia em mim. E eu era tudo naquele momento. Não pensava em muita coisa, apenas em continuar correndo. Corri até sentir vontade de parar. Não tinha percebido antes, mas corri de olhos fechados, quando parei e os abri estava no meio de uma rua que ficava há seis quadras da minha casa.

Estava ali, sozinho, embaixo da chuva, como nunca havia feito antes, e eu amei aquele sentimento. Foi a primeira sensação de liberdade que tive em minha curta existência. Tinha ouvido falar em 'liberdade' em alguns filmes na televisão, mas não achei que fosse isso. Ninguém havia me falado como era, e eu nunca havia me perguntado. Até porque naquela época não me questionava sobre muita coisa, apenas seguia minha vontade. O que eu queria era certo, o que eu não queria, errado, era simples assim, mas conforme ficamos maiores começamos a complicar as coisas, assim nos sentimos mais importantes. Pelo menos era isso que meu irmão mais velho me dizia quando eu perguntava por que em um país longe daqui as pessoas matavam umas às outras falando de Deus. Com onze anos importante era seguir meu caminho ao redor da árvore e não fazer mal a ela, mas agora eu estava mais longe, experimentando isso que nunca havia imaginado possível sentir: ser livre. Fiquei ali por alguns momentos, até aparecer um carro e eu ver que era meu amado pai, preocupado e confuso de me ver no meio daquela rua deitado no chão olhando a chuva cair despropositadamente. Fiquei feliz por ele aparecer, saber que estava ali, e mais feliz por ter descoberto aquilo que, na época, ainda não tinha esse nome, só mais tarde descobri que alguns chamavam de 'liberdade'. Outros nem se preocupavam em saber, mas eu soube.

Naquele momento eu descobri o que eu queria ser quando crescesse. Queria ser livre. Minha mãe me pedia algumas vezes o que eu faria da vida quando fosse mais velho e eu nunca soube responder. Mas ali eu descobri, quero a liberdade de correr na chuva sozinho e ir mais longe. Fazer o meu caminho onde tiver vontade, e mais, quero que aqueles que amo sejam livres, da maneira como se sentirem assim. Eu me sinto livre do jeito como descrevi. Hoje que cresci complico algumas coisas, faço algumas besteiras mas ainda amo aquilo que sinto, ainda quero ser livre, ter a liberdade que tive naquele dia de chuva, quando eu corria de olhos fechados e só o que importava era que a chuva não parasse tão cedo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Sobre 'amor' e 'paixão'

Eis aí uma das questões mais confusas e mal resolvidas de todos os tempos. Dois termos que para muitos se assemelham, mas que, para mim, são tão opostos mas convivem com tanta harmonia quanto o 'bem' e o 'mal' (analogia perigosa, eu sei).

Um tema 'polêmico', que por si só é tratado longe dos domínios da racionalidade, e é por demais banalizado. E nesse post vou ser o mais espontâneo que conseguir, sem referências, a não ser minha experiência pessoal e literária, se quiser contrapor, sinta-se a vontade, é apenas a minha opinião escrita em sessenta minutos.

Aí vai:

Um dia Camões resolveu escrever um poema, e colocou em versos que 'amor é fogo que arde'. Mas não é bem assim. Pode parecer bonitinho e romantizado, mas fogo e ardor não combinam com amor, e a rima não foi proposital. Irei esclarecer tal afirmação adiante.


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A paixão sim, arde e queima, machuca e nos deixa desorientados, confusos. Quem está apaixonado está sujeito a cometer loucuras, esquecer de si mesmo e se dedicar exclusivamente a um objeto alheio. A paixão é perigosa, instável, irracional demais. É um termo que hesitei escrever sobre, devido ao alto grau de 'cafonice' a que vem sendo sujeita, na mídia principalmente, pois a partir daí toda a massa burra adere e passa a se apaixonar a todo momento, mas não faz a menor ideia do que isto significa. A paixão tem muito mais haver com sexo do que o amor, mas o sexo da forma como evoluiu para ser feito, exclusivamente de forma instintiva, assim como a paixão.

O engraçado é que quando eu penso no termo 'paixão', a imagem que me vem na cabeça é de uma cena de novela mexicana onde aparece um cara com um bigode enorme e uma cara de 'mamãe sou sexy', tipo isso:



Não me agrada nem um pouco ter essa imagem na cabeça, haha, mas esse assunto tem sido tão banalizado, e realmente se tornou tão 'cafona' e antiquado quanto um cara desses olhando para sua filha e falando: "Te quiero puta." (Só pra constar, gosto muito de Rammstein, e a relação que você fez da frase que eu coloquei ali com eles, é a mesma que eu faço de 'paixão' com o cara da foto ali entende? Não é uma questão da realidade em si, mas da relação social entre 'imagem acústica' e 'objeto' .-.) O mundo tem sido banalizado, a música, a cultura, mas vou me ater aos dois conceitos que propus no título.

Concluindo sobre paixão: Paixão é fogo que arde. Irracional, instável e passageira.

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O amor, nesse quando penso, logo me vem a imagem dos frustrados poetas ultra-românticos na mente, que idealizavam tudo, demais, e se acabavam em nada. O que não reflete o que realmente penso sobre isso. Para mim, amor é o que eu sinto por mim mesmo, pelo meus bons pai, mãe e irmão; alguns parentes e alguns amigos muito próximos; As coisas belas no mundo, o amor que sinto pela vida, que tenho vontade de contemplar a todo tempo; O que eu sinto por mim mesmo (e por tudo isso) é calmo, é constante, é racional e jamais vai se acabar; É belo mas não é ingênuo e tolo como visto por aí. É o mais belo! O amor me mantém vivo, requer tempo e quando se estabelece jamais se vai. Sou deveras realista e procuro me manter longe de decepções desnecessárias, a paixão tem o poder de machucar porque é iniciante, a paixão pode evoluir para o amor (agora estou falando de amor homem x mulher, ou homem x homem, mulher x mulher, depende de você, eu fico com o homem x mulher) mas raramente o faz, muito menos nos dias de hoje, onde o imediatismo e a insegurança impossibilitam o cultivo de relações mais próximas e mais reais. Só se vê por aí mulheres 'apaixonadas' por contos de fada procurando um príncipe encantado para viverem felizes para sempre - a moda do momento é toda jovem adolescente procurando um 'Edward' (do Crepúsculo, pra quem não captou) que é vampiro (já que é a moda teen do momento, pff) virgem, cavalheiro e... brilha no sol?! Ok, resta saber se ele não é gay, nada contra, mas ia acabar com a esperanças das jovenzinhas apaixonadas, e de um cara que brilha no sol, espero tudo. E são historinhas como essas, de uma moral completamente falha, que confundem e frustram os sentimentos de gerações que buscam desesperadamente qualquer resquício de sentido que a vida não tem pra dar, e acham que o encontraram em se agarrar a um ideal dos mais tolos: O amor eterno de um ser perfeito. Nãããããão, tá tudo errado, a adolescência de hoje ouve funk carioca e confunde amor com sexo casual. Sexo e amor não tem relação, funcionam bem juntos, claro, mas não se relacionam inicialmente, uma trepada não vai fazer você descobrir o seu amor, eu lamento (o mesmo vale para o acreditar em amor à primeira vista: o que você sente é atração, você pode se envolver com a pessoa e até chegar a amá-la, mas não vai ser culpa do 'amor à primeira vista, pff).

Acho que deu pra pegar a ideia de 'amor' que quero passar, não especifico o amor 'fraterno' ou 'carnal'. Vejo o amor como único para toda situação, o amor que você pode sentir por uma parceira sexual, é o mesmo que vai sentir por um amigo, mas com o amigo você não faz sexo, apenas, e, gente, vamos parar de endeusar o sexo, por favor. Sexo é necessário para a perpetuação da espécie e tem inúmeros benefícios para o corpo e mente, e podemos muito bem fazer sexo com a mesma pessoa por toda uma vida, ou não, é questão de escolha, quem pensar que não nasceu pra ser monogâmico que seja poligâmico. Sei que o ser humano, como animal, não nasceu para a monogamia, principalmente o homem, e isso são apenas fatores biológicos; mas nos desenvolvemos a um ponto, onde existem seres com mais, ou menos, capacidade para a poli ou monogamia, então, é tudo muito relativo, e não tô afim de citar fontes ou referência, se quiser verificar a veracidade das minhas informações, se vire, dica: filosofia, biologia, psicologia, antropologia.

É difícil falar de amor sem falar de sexo quando se trata de dois seres que se 'escolhem' para o ato social denominado 'namoro' (outro termo que evito, pela banalização novamente). Mas isso acontece apenas pela confusão feita entre 'amor' e 'paixão' que tento esclarecer neste post.

Claro, se uma visão como a que apresentei fosse a que vingasse, as coisas provavelmente dariam mais certo, mas os filmes e novelas sobre amor não seriam mais tão bonitinhos e emocionantes... e devem?

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Gosto deste tema, pois é um dos muitos que faz o ser humano parecer ridículo e pequeno, como de fato é. São inúmeros os que fazem besteiras sem fim por aí apenas por não pensar um pouco, por sacrificar a verdade em prol do imediatismo. Paciência, persistência e silêncio, se o homem de hoje começasse a pensar mais nessas três virtudes, 'amor' e 'paixão' poderiam ser temas mais bem resolvidos do que são.

Há muito a ser dito sobre isso ainda, mas fico por aqui e deixo um conselho: Vampiros que brilham no sol não merecem confiança, ok? Abraços (:

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Não há Deus

Agora pare de se preocupar e aproveite sua vida.

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É, às vezes as coisas podem ser mais simples.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Eu lírico

"Não tenho dinheiro, nem recursos, nem esperanças. Sou o mais feliz dos homens vivos. Há um ano, há seis meses, eu pensava ser um artista. Não penso mais nisso. Eu sou. Tudo quanto era literatura se desprendeu de mim. Não há mais livros a escrever, graças a Deus.
E isto então? Isto não é um livro. Isso é injúria, calúnia, difamação de caráter. Isto não é um livro, no sentido comum da palavra. Não, isto é um prolongado insulto, uma cusparada na cara da Arte, um pontapé no traseiro de Deus, do Homem, do Destino, do Tempo, do Amor, da Beleza... e do que mais quiserem. Vou cantar para você, um pouco desafinado talvez, mas vou cantar. Cantarei enquanto você coaxa, dançarei sobre o seu cadáver sujo...
Para cantar é preciso primeiro abrir a boca. É preciso ter um par de pulmões e um pouco de conhecimento de música. Não é necessário ter harmônica ou violão. O essencial é querer cantar. Isto é portanto, uma canção. Eu estou cantando."

- MILLER, Henry. Trópico de Câncer Pg. 07-08.

"I walk alone, I was born unknown, I die alone."

Quem me move sou eu

Olho para meu lado direito e vejo você, sorridente, com seus lindos olhos azuis, parada olhando o céu e se sentindo feliz. Olho para meu lado esquerdo e não vejo ninguém, mas há um espelho que reflete o meu rosto que não aprova, e isso eu amo.



Ser
mais que
aquilo que sempre fui.



Me move.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Filosofar com o vazio


A filosofia nos leva a lugar nenhum. O ato de filosofar, imparcial e verdadeiro não encontrará nada senão o vazio absoluto. O caos reinante de forma pura e bela, cruel e indiferente para nossos olhos por demais humanos. Não ser um indivíduo otimista não significa se voltar ao pessimismo e à melancolia deste, a imparcialidade nos leva ao real, à experiência que leva em conta a natureza em sua forma crua e caótica, com padrões despropositados aos quais sempre tentamos dar forma. Hoje é possível perceber que a essência é vazia e depende da existência, e não seria possível ver além. Toda e qualquer hipótese criada para explicar fenômenos além da esfera humana são palpites sem qualquer fundamento ou evidência, que se prostram sob justificativas que não são passíveis de comprovação e confundem mentes que anseiam respostas que jamais existirão.

Não falo de filósofos e teorias, apesar de ser impossível me desvincular destes e do meu histórico de influências, dada a importância que tiveram em minha existência, não para melhor ou pior, mas que me fizeram ver as tolices em que eu me encontrei uma vez imerso, que me faziam confortável e “feliz”, mas que nunca passaram de palpites e não valem a confiança de qualquer homem, mas sim, sua revolta justificada, por ser um limite do potencial do qual todos compartilhamos e podemos explorar ao máximo para criar a essência que nossa existência tornou possível.

“A existência precede a essência”, de fato, mas sempre se buscou sentido onde não há; dar sentido a vida deveria ser o mandamento principal, não busca-lo, pois ele não existe, a vida é vazia e o confronto com o real dói, uma dor quase insuportável com que se aprende a conviver, mas nunca se elimina; a dor testa o verdadeiro caráter, que se diz ‘forte’ ou ‘resistente’ mas estas são definições limitadas por demais para significar o ‘encontrar o vazio’, e conviver com este.

Tudo se formou por ciclos, nascemos vazios, somos moldados, e então nos re-moldamos, ou então seguimos os moldes com que crescemos e nos conformamos. Eu me moldo a cada momento, precisei quebrar os contornos que me faziam “eu” no início para questionar e conviver com o fato de que não há nada que eu possa fazer para confortar a dor da existência real e vazia. Mas aprendi a conviver com ela e hoje a amo; e como amo! Não saberia retornar ao estado primitivo em que me encontrava antes dela. Pessoas como eu “não são as mais confortáveis, mas são as que movem o mundo”, as que aprenderam a amar a eternidade e o questionamento, a abraçar a dor do vazio que vem como uma pancada no meio da cabeça, rachando-a e a fazendo sangrar até não restar uma única gota do sangue poluído pelo conformismo e pelo repugnante conforto encontrado na inverdade; ah, mas como sinto saudades daquele conforto, e como sinto raiva de mim por abrir mão dele; e ainda, sinto ódio de ter sido aquilo e de hoje sentir sua falta.

Odiamos as drogas que nos tornam dependentes (nem todos, falo pelos ‘fortes’) mas como somos dependentes da necessidade! Fugimos covardemente do tédio com o necessitar, nosso vícios não mais equilibram nossas virtudes. Ou somos puritanos demais e esquecemos dos prazeres; ou seres desvirtuados e desequilibrados que se acabam mental e fisicamente em meio a busca por saciar vontades imediatas.

Faço da vida a mais bela, estou vivendo meus melhores momentos, os mais breves que serão mais lembrados. Tenho os melhores amigos e me apego aos melhores vícios, insisto em absorver as melhores virtudes - por vezes falho - e tenho a melhor família. Amo as menores coisas como a mim mesmo, e sinto ódio daquilo que as prejudica. Não quero que minhas dores sejam suas e amo tudo que é belo - seja humano ou não - a grandeza do cosmos, minha incompreensão e tudo que é passível de contemplação; não preciso mais de motivos últimos para buscar prazeres e me apegar às coisas belas da vida. Dou à ela o sentido que me convém; amei a verdade e fiz dela meu principal vício, em sua ausência não há conclusão, e quando se faz presente, mesmo com dor, é a mais bela.