quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O minuto que passa

A história sempre falou de virtudes; sempre prezou o final feliz e nunca quis saber a real intenção da verdade... nem saber se a verdade de fato existe; a história nunca permitiu que você pensasse, nunca quis que você largasse a droga que usou antes de se lamentar ao espelho... para a história, a história dos homens nunca fez sentido.

Bastava apenas que você olhasse adiante e visse um outro motivo, inovasse o seu vício, mas que nunca se apoiasse sobre o vazio. O vazio é perigoso e nunca se fez possível, milênios de transições, desenvolvimento, progressos, regressos... e o vazio continua a não ser aceito; a ser ignorado, mal visto, mal dito.

Da ausência de vazio veio a necessidade, da necessidade veio a dependência, da dependência veio a limitação de todas as sensações e possibilidades.

Somos limitados por um objeto, uma substância, um costume, uma crença, uma pessoa.



Falo por mim.

Não pretendo encaixar o leitor nas minhas ideias... de fato, gostaria de estimulá-los a criar suas próprias verdades, a serem profetas de suas próprias doutrinas,

Mas, quem é capaz?

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Desperto nas manhãs frias de Julho e cá estou fitando um rosto no espelho, uma face confusa; passadas pouco mais de duas décadas de existência física, me pergunto se deveria ter sonhado tanto,

A falta de sentido é gritante.

Janela afora, a neblina limita minha visão e estimula meu pensamento, de forma contraditoriamente interessante. Paro e sinto, respiro o ar congelante que insiste em se fazer presente, quase como uma criança que recebe atenção em demasia; fecho os olhos e busco em todos os cantos do meu ser, a vontade.

Vontade.

Tão impotente em sua ausência eu sou; busca qualquer resquício de sentido que tenha se perdido em mim. Pergunta-me,

Como se cria uma verdade?

A consciência inflama, o espírito dói. Uma, duas, três vezes vamos ao chão... aparente derrota não basta. Estar sozinho é desconfortável e a princípio olha-se com desdém essa falta de algo a que se prender. Silêncio, afinal, quem possui a resposta para tão delicado questionamento?

A ignorância não me convém, mas em minha condição, me prende.

Tal verdade é indecifrável, já não o é a mentira. Difícil mesmo é fazer a distinção tateando um lugar escuro, onde não podes confiar, onde o nada é presente e absoluto. Abre os olhos ou permaneça nessa existência inconsciente onde tudo, menos você mesmo, é capaz de reger o seu futuro.

Ainda falando por mim, vejo que cada vez que a consciência de ser o que somos vem à tona, um pouco de mim fica pra trás, se perde simplesmente. Não sei dizer se é a vontade que se esvai ou a incerteza e sua presença tirana que se faz presente; sei que um pouco de mim fica. Mas, quanto ainda resta para ser deixado, quão grandes são as marcas que o tempo não levou?

Me recompondo ergo os olhos, desconfiado abro a porta do quarto e saio a passos calculados. Vou à cozinha, me sinto estranho, mas já acostumado ao desconforto prazeroso que qualquer momento de exagerada reflexão provoca. Encho um copo d'água e bebo, me dirijo a porta, saio.

Engraçado é como o tempo já não se arrasta mais, como não me dou conta do tamanho da minha própria decepção; meu caminhar já raramente apressado, o atraso se tornou consequência de meu desprezo.
Só o que passa depressa são os lugares por onde vou, mas não tão depressa a ponto de deixarem de ser interessantes, todos eles, sem exceção; uma árvore, a rua estreita do lugar mais amplo que já pude ver, figuras engraçadas e coloridas. E os animais? Os animais são um motivo a mais, quando não humanos encantam pela sua aparente fragilidade, quando humanos, à distância são engraçados; ao interagir com eles também nos tornamos engraçados mas nem nos damos conta. Mas o mais incrível de tudo é o azul do céu, não por ser extremamente belo, mas por ser grande. Enormemente incompreensível, assim como tudo o que é desta proporção e não conseguimos entender de forma alguma; nessa incompreensão alguns de nós criam seres que prepotentemente nos igualam em algum sentido e nos fazem parecer ridículos em outros; Alguns indivíduos ousam desferir tamanha crueldade com todo esse azul que sempre está acima. Já outros - me encaixo aqui - preferem contemplar a tal imensidão e, antes de se perguntarem ou imporem qualquer conceito impensado sobre ela, apenas fazem de tudo para esvaziar a mente e sentir a enorme satisfação de dispor de cinco sentidos para apreciar, e apenas apreciar, essa magnificência que a existência nos permitiu presenciar antes que se acabe,




Me dirijo de volta ao meu lar. Aqui chego com a sensação de dever cumprido, deito-me e fecho os olhos contra a minha vontade, sem querer que isso acabe, cedendo ao meu corpo cansado e desobedecendo meu impulso que me implora para nunca parar, vontade de poder; vício incontrolável, compulsão pelo que antes era apenas ideia; e ainda dizem que Platão foi longe demais...


Sem entrar no cerne filosófico da questão é simplesmente isso que, na maioria das vezes, me ocorre.

Mas,

O céu nem sempre é tão azul,


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...e o fim nem sempre tão trágico.


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"A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos." - Drummond.